22 de junho de 2015

Idosos na Inglaterra - um novo olhar...

Semana passada, totalmente entediada da rotina diária de dona de casa e mãe, resolvi fazer uma coisa diferente no meu único "tempo livre" e posso dizer que mudou minha forma de olhar os idosos, não somente na Inglaterra.

Tenho uma grande amiga que trabalha como "carer" (cuidadora). Ela toma conta de idosos que decidiram continuar vivendo nas suas próprias casas ou que vivem em "residential homes".
Já tínhamos conversado sobre eu fazer um "estágio" pra ver se gosto e se daria conta do trabalho para eventualmente ajudá-la. Então, marcamos e nos encontramos na casa da primeira cliente. Faríamos mais 4 visitas naquela noite.

   

Na Inglaterra as crianças são educadas desde cedo a serem independentes. Os jovens vão morar sozinhos quando completam 18 anos. Então, o que esperar dos Idosos?! 
A decisão de onde ele irá morar vai de acordo com às necessidades físicas/psicológicas e situação financeira da pessoa/família. Vou dar uma visão geral dos tipos de acomodações existentes:
Residential homes ou care homes: inclui acomodação, refeições, staff para ajudar com as necessidades pessoais como se vestir e higiene pessoal.
Nursing homes: inclui acomodação e enfermeiras qualificadas no local 24horas por dia.

O idoso precisa ser elegível para que o NHS (Sistema National de Saúde) pague todos os custos de uma care ou nursing home, caso contrário os custos podem variar entre £28 mil a £40 mil (média de R$150 mil) por ano, dependendo da região.

A Organização não Governamental Age UK ajuda os idosos a aceitarem o processo de envelhecimento dando todo apoio e assistência necessária.
A última pesquisa liberada pela ONG em maio/2015 mostra que no Reino Unido:
- pela primeira vez na história, existem 11 milhões de pessoas na idade de 65 anos ou mais. 
- 2 milhões de pessoas com mais de 75 anos vivem sozinhas, 1.5 milhões são mulheres.
- depressão afeta 40% dos idosos nas "care homes".
- A cada hora, mais de 50 idosos são negligenciados ou sofrem algum tipo de abuso nas suas próprias casas por membros da família, amigos, visinhos ou "care workers".

“Não existe cura para o envelhecimento. Porque envelhecer não é uma doença, mas um modo de vida. E alguns são melhores nisso do que outros. O segredo? Pense em você mais jovem do que você realmente é…”
Verso do poeta inglês Roger McGough. 
 
 
A primeira cliente era uma senhora fofíssima, viajada e cheia de histórias pra contar. Não quis sair da sua casa por nada, então adaptou todo andar térreo para sua "sobrevivência".

Segundo cliente casou-se pela segunda vez tarde na vida e com uma mulher vinte anos mais nova. Tinham uma vida muito boa e cheia de luxos, até que depois de um AVC ele ficou com a saúde bem debilitada. A esposa não tem a menor paciência e amor para cuidar dele.

Terceiro cliente tem 95 anos e quase não enxerga mais. Super vaidoso, faz questão de estar sempre com as roupas limpas e de escovar bem os dentes. O único que vive numa "residential home" custeada pelo governo.

Quarto cliente era uma senhora de uns 70 anos cujo único problema era não conseguir abaixar-se para calçar um sapato e trocar de roupa. Adora cozinhar. Ficou muito ofendida com a faxineira, que falou que ela possuía muitos "cacarecos", cada um com um valor sentimental inestimável.

Perguntei para todos eles se poderia vê-los enquanto minha amiga os ajudava com a higiene pessoal e uma das respostas me surpreendeu - "há anos perdi minha dignidade".

Colocamos todos para dormir, como se fossem crianças, cada um com sua mania: cortina meio aberta, leite morno antes de deitar, televisão ligada, etc. Todos estavam TÃO agradecidos pela nossa "visita" que chegavam a esquecer que minha amiga é paga pra isso - muito bem paga por sinal.

Quando voltei pra casa, já tarde, fiquei pensando... O mesmo sentimento que EU tenho como estrangeira é o que eles também devem ter. Ninguém sabe de onde eu realmente venho, minha família, a educação que tive. Eles dependem muitas vezes de estranhos pra sobreviverem, cuidadores que não tem a menor idéia de quem foram eles, da sabedoria, da participação que tiveram na sociedade, do que viveram até  aquele ponto.
 
No meu último trabalho, tinha um gerente de Marketing cômico e cheio de frases engraçadas. Ele dizia que "FDP também envelhece!".

Quando colocamos a primeira cliente na cama e ví a sua dificuldade de locomoção, perguntei pra minha amiga: "E agora, ela vai dormir sozinha? E se ela precisar de alguma coisa, sentir medo ou cair da cama?" - Quase liguei pro meu marido pra dizer que não iria dormir em casa.

Ela virou "escrava" desse trabalho e os clientes viraram "escravos" dela. Agora consigo entender a dimensão de quando ela diz "não posso deixá-los na mão, eles precisam de mim!".
 
Nesse trabalho você não pode deixar a caneta cair às seis da tarde de uma sexta-feira e voltar na segunda de manhã , o seu "material de trabalho" respira, se alimenta, tem necessidades fisiológicas e precisa de amor, muito amor.
 
Quanta lição de vida em uma só noite, uma noite que poderia ter sido como todas as outras...

Beijooooooutro.