7 de novembro de 2015

Vida de expatriada

Setembro completamos 8 anos morando na terra da Rainha e por isso fiz algumas reflexões.
A vida na Inglaterra não e fácil, embora essa seja a visão de muitos brasileiros. Acham que porque ganhamos em libras e moramos em Londres ela deve ser perfeita e glamorosa.

 
Aqui a dona de casa/mãe de família lava, passa, faxina, cozinha, costura, cuida dos filhos, faz supermercado, etc...No Brasil, temos o hábito de terceirizar os serviços e por isso o expatriado sofre um baque com estilo de vida europeu.
Quando mudamos, eu tinha um padrão de limpeza e organização que durou por alguns anos. Achava que esse padrão era vital e não poderia ser diferente. Passava roupa de cama e toalha de banho, varria e passava pano no chão todos os dias (tudo que sempre exigi da minha faxineira no Brasil). Hoje as coisas estão bem diferentes, demoro semanas pra tirar o ferro do armário e quando tiro, passo o necessário pra não sentir vergonha na rua (como se na Inglaterra alguém ligasse!). A limpeza da casa foi pro mesmo caminho. Os lugares que meus olhos alcançam estão sempre limpos, já o restante... O carpete, por exemplo, percebo que precisa ser aspirado quando deixo a chupeta da Carolina cair e ela sai meio cabeluda.
 
 
O padrão de limpeza na Inglaterra é considerado baixo. Aqui as "cleaners" (faxineiras) são um artigo de luxo. Somente quem trabalha tempo integral ou tem uma casa muito grande costuma contratá-las. Paga-se por hora, uma média de £7 a £15 , dependendo da região e da nacionalidade da "cleaner".
Uma pesquisa encomendada em 2014 pela empresa Method (produtos de limpeza ecológicos) mostra que: 
  • Quatro em cada cinco britânicos admitem viver em uma casa bagunçada. Alguns admitem usar secador de cabelo , pano de prato e até mesmo meias para tirar o pó. (adorei!)
  • 45% admitem maus hábitos na hora de lavar a louça. Um em cada 10 reutilizam o prato do almoço na hora do jantar sem limpá-lo. Outras, para evitarem lavar louca, usam prato de papel e escondidas limpam marcas de batom nos copos com papel toalha em vez de darem um copo limpo aos seus convidados. 
  • 60% não trocam roupa de cama toda semana. Um deles admitiu comprar lençóis novos para não precisar lavar o sujo.
  • 90% das pessoas inquiridas on-line de forma anônima , falam que as razões mais comuns para o desleixo são a falta de motivação, tempo e prazer.
E a sujeira nos carros!?  Ano passado falei pro meu filho que ele voltaria da escola com a mãe de um amiguinho. Ele reclamou muito, fez cara feia e disse que não queria. Não entendi porque, afinal não era a primeira vez que ele pegava carona com ela. Perguntei se tinha acontecido alguma coisa entre eles e para minha surpresa ele respondeu: "mãe, o carro dele é imundo, da última vez tinha até macarrone cheese no chão!". Uma lavagem completa do carro, dentro e fora, custa em média £12.
Olha, estamos todos vivos, felizes e com saúde mesmo sem ter a casa brilhando de limpa e roupas engomadas. Claro, você não vai achar uma refeição completa no chão do meu carro e nem debaixo do meu sofá, mas, isso não é prioridade na minha vida.

                               

Com a distância, aprendemos a valorizar ainda mais a família e os verdadeiros amigos. Um telefonema ou whatsaap nos aniversários e mesmo no dia-a-dia passaram a ter uma importância estratosférica. Nos sentimos menos "esquecidos" nesse continente tão distante. E viva a tecnologia!
A primeira vez que morei fora do Brasil (1994) a única forma de se comunicar com a família era por telefone ou carta. Lembro que economizava um pouco da minha mesada de "au pair" (na época $300) pra ligar uma única vez por mês pra minha casa. Todos os dias esperava ansiosamente o carro do carteiro pra ver se tinha alguma carta pra mim. Era uma emoção! Foram 18 meses assim...
 


 

Outra coisa muito importante é fazer bons amigos porque eles se tornam família. Fazer novas amizades é uma tarefa difícil, nunca pensei que fosse tanto. Depois de anos morando no exterior, finalmente aprendi uma lição: não é porque é brasileiro que preciso cumprimentar, me apresentar e ainda trocar telefone. Já quebrei muito a cara com isso. Acabamos nos envolvendo com pessoas que nunca seriam nossas amigas no Brasil, por não terem nada em comum além da nacionalidade - pura carência! Queremos nos sentir um pouco em "casa", escutar nosso idioma e nos sentir menos estrangeiros. Hoje, depois de 8 anos, posso dizer que tenho amigas brasileiras pra vida toda - somos as próprias "Desperate Housewives". Talvez tenha me tornado uma amiga muito melhor.

Nesses anos também adquiri deficiência de vitamina D por falta de sol e uma depressãozinha básica que volta sempre no inverno. 
 
Quando reclamo do Brasil e elogio a Inglaterra ou quando reclamo Inglaterra e elogio o Brasil meu marido sempre me diz: bom seria se tivéssemos o melhor dos dois mundos. 

Beijoooooutro.

6 de outubro de 2015

Estilo de vida inglês - bairro e vizinho

Norte, sul, leste ou oeste?
Um mês após nossa chegada a terra da Rainha, precisávamos entregar o flat onde estávamos hospedados temporariamente. O problema é que não sabíamos para onde ir. Comecei minha procura pela internet e todos os imóveis que nos agradavam já haviam sido alugados. Por telefone, o corretor nos informou que Setembro/Outubro são os piores meses para se alugar em Londres. O ano letivo começa nessa época e as propriedades bem localizadas já foram alugadas durante o verão.

 
Recentemente, Thrillist (App) lançou um mapa completo da capital,
 mostrando o custo médio mensal de 1 quarto numa distancia de até 1km
de cada estação de metro na rede. Onde você pode ou NÃO morar.

Já caímos em vários "contos", mas o do "postcode" foi a primeira vez. Uma colega de trabalho o meu marido nos indicou East Dulwich, sul de Londres, zona 2. Ok, lá fui eu para a rua principal do bairro procurar pelas imobiliárias. Um dos corretores me levou de carro e mostrou uma casa bem fofa, porta vermelha (típica inglesa), jardim, perto da estação e 12min do centro de Londres. Ele me falou que era a rua mais segura do bairro e na hora não entendi porque. Fechamos negócio.  








Depois que mudamos, pelo postcode (CEP), descobri que estávamos  no bairro vizinho de Dulwich. Esse não tinha uma boa reputação, aliás, péssima. Pior, assinamos o contrato de 1 ano! Em Londres é muito comum ter um bairro bom vizinho de um ruim. O problema todo é que o postcode define coisas importantes como escolas e médicos GPs (Clinico Geral).
Primeira noite: um verdadeiro terror!
Nossa "casa" (container) ainda estava pra chegar do Brasil e mudamos sem nenhum prato ou talher. Tínhamos somente o berço de viagem para o Henrique e nossa mala de roupas. Naquela tarde comprei um colchão de ar, um jogo de lençol e dois travesseiros. A noite, quando fomos encher o colchão  para dormir, a bomba acoplada não funcionou. O aquecimento central  da casa também não funcionou e consequentemente não tínhamos água quente. Um frio de entrar nos ossos, inesperado para a época do ano. Dormimos no chão duro, agarrados, sem cobertor, cobertos por casacos só esperando a hora passar e o dia amanhecer. Passamos muuuuiiito frio!!!

"acampamento" na segunda noite, já com colchão cheio,
 edredom, luminaria e cabideiro.
Dia seguinte foi de vai e vem da "high street" para comprar o kit sobrevivência.
Logo na primeira saída, também descobri porque a rua era a melhor do bairro. Tinha uma MP (Membro do Parlamento)  que morava no começo da rua e ficavam dois guardas armados na porta da sua casa, 24 horas por dia. Quer segurança melhor?!  Claro que levantamos desconfiança na vizinhança  e, no mesmo dia, às 21hs toca a campainha: era uma pessoa do Council (sub-prefeitura) me fazendo mil perguntas.
Nossa primeira conta de gás foi de quase £500 (não farei a conversão para vocês não ficarem assustados). Também, pudera! Deixava o aquecimento ligado dia e noite, chegava a suar dentro de casa.
Durante esse ano, escutamos bastante o nome do bairro no noticiário. Esfaqueamento no kebab da avenida principal, piadinhas no programa de humor "Celebrity Juice", etc...
Mudamos assim que o contrato venceu e fomos para o subúrbio, como uma boa e típica família inglesa. Mas, confesso que sinto muita falta de morar perto do centro de Londres.

32 London Boroughs (bairros de Londres) 
e a City of London (centro)
Foi difícil de acostumar com algumas coisas na Inglaterra. Uma dela é a relação entre vizinhos. Se os ingleses não estão esperando visita ou encomenda, eles não abrem a porta. Você pode tocar a campainha, bater na porta - ignoram totalmente! Conheço os meus porque converso com todo mundo no elevador.
Buscando textos sobre o assunto, me deparei com uma pesquisa reveladora - "Building a stronger neighbourhood" (construindo uma vizinhança mais forte) da Kate Fox, antropóloga social e autora do livro "Watching the English:The Hidden Rules of English Behaviour", no site comparethemarket.com.
Na pesquisa, mais da metade dos entrevistados admite ter se escondido ou atrasado para sair de casa para não topar com o vizinho (olha aí os meus vizinhos quando escutam minha porta abrindo!).
Kate Fox diz: "Esta falta de espírito de comunidade é porque somos socialmente "esquisitos". Somos muito educados para tentar conhecer as pessoas que vivem na porta ao lado - não por qualquer animosidade, mas porque sempre quisemos ter uma sensação de privacidade. Nós simplesmente não queremos nos intrometer no espaço de outra pessoa (falei isso no meu post sobre os pequenos ingleses). Somos apenas educados demais. Criamos uma longa lista de estritas regras não escritas sobre privacidade (como não falar com estranhos, entre outras coisas), nos tornando socialmente "esquisitos" mais do que outras nações". Apenas 9% já pediram a um vizinho uma xícara de açúcar!


Mais uma vez, mais um assunto, mais um aprendizado e sempre a mesma conclusão: os ingleses são muito educados. Pra ser bem sincera, sobre esse assunto tenho minhas dúvidas... Isso é educação ou falta dela?!

Beijooooooutro.

19 de setembro de 2015

Os pequenos ingleses


 

Passei por uma situação nas férias que me fez pensar nas crianças inglesas e seu comportamento.

Fui levar meu filho para um curso de férias de futebol e tinha uma fila grande para fazer o registro da criançada. Chegaram dois pré-adolescentes atrás de mim e por coincidência eles conheciam o garoto que estava na minha frente. Na maior cara de pau, um deles pulou a fila e disse para o outro: 'vem pra cá, é mais rápido!'. O menino que ficou respondeu - 'não!' Ele insistiu dizendo para parar de ser bobo e pular logo a fila. O menino ainda o chamou pela terceira vez e quando viu que o amigo não iria, desistiu. Isso tudo na minha cara! 
Bem, duas coisas me chamaram a atenção. A primeira é que essa situação é totalmente atípica. As filas na Inglaterra são bastante respeitadas, não importa o lugar e não importa a idade. Você leva uma boa lição de moral se tentar fura-las. Os ingleses respeitam o espaço dos outros e esperam o mesmo de você. A segunda é que mesmo com a insistência irritante do amigo, o pré-adolescente não cedeu e permaneceu no seu lugar.
 
'lollipop lady/man' ajudam as crianças a atravessar a rua
em segurança nas escolas 

Em geral as crianças inglesas são muito educadas. As primeiras palavras que aprendem não são 'daddy - mummy' e sim 'yes, please - no, thank you'. Elas comem pepino de lanche da manhã, tomate  e linguiça fria nas festinhas , jantam entre 5/5h30, vão pra cama entre 19/20hs. Todos aprendem a andar de 'scooter' (patinete) logo depois de darem os primeiros passos. Ganham 'stickers' (adesivos) como recompensa para tudo e em todo lugar - escola, dentista, médico, etc. São independentes e comportadas desde pequenas.  
 




 
Na Inglaterra escola é assunto sério. Os professores são muito respeitados, são chamados pelos títulos de Mr, Mrs ou Miss. Em minha casa a hierarquia é a seguinte: primeiro vem a Miss Renault , segundo o padre Martin, terceiro eu e por último o pai. 
E quando preciso justificar na escola alguns dias extras de férias no Brasil?! Uma tensão! Me sinto mal, guardo segredo até a última hora. Parece que estou planejando o assassinato do diretor - um horror! Ter faltas durante o ano letivo sem uma boa justificativa implica em multa e pode levar os pais aos tribunais.
A educação em tempo integral é obrigatória e gratuita na Inglaterra. Começa com 4/5 e vai até os 18 anos de idade. A partir dos 3 anos a criança tem direito a 15 horas semanais nas escolinhas. O sistema é complexo, assim como os exames. Portanto, vale uma pesquisa para quem precisar e se interessar. 
É muito comum escolas divididas por gêneros (meninos e meninas), principalmente as particulares e secundarias - os ingleses preferem. Eles acreditam que a escola mista tem muita distração, tira o foco nos estudos e consequentemente o aluno não obtém tanto sucesso.  
Como uniforme, meninos usam calça social, camisa e gravata e meninas vestido/saia, meia calça e camisa. Em quase todas as escolas é proibido usar brinco e corte de cabelo fora do padrão. Todos os dias a partir das 15h10, término das aulas, parece saída de casamento na 'small world' da Disney - uns fofos!
 

Não estou falando que este modelo de criança é  bom ou ruim, que é mais feliz ou não. Porém, a pesquisa anual (The Good Childhood Report 2015) realizada pelo Children's Society em conjunto com a Universidade de York, constatou que as crianças inglesas, entre 10 e 12 anos, são mais infelizes na escola em comparação a outras em 14 países. O bulling seria uma das principais razões.
 
Quando vamos ao Brasil, noto uma diferença grande de comportamento do meu filho comparado as crianças da mesma idade. O Henrique é mais travado e tem menos jogo de cintura. Claro que inúmeros fatores influenciam essa diferença. Mas, como diz meu irmão, nada como um intensivo de 1 mês no Brasil com os primos, pra que essa questão se resolva.

Beijoooootro.
                                                                              


20 de agosto de 2015

Previsão do tempo: chuva


Este post vem como um desabafo:BRITISH SUMMER.
Porque existe esta denominação se aqui na ilha não tem verão? Tem variações do inverno - leve, moderado e intenso. Na minha opinião deveria ser renomeada para British Winter Variation.  
 

Esse é o assunto prediletos dos ingleses, e virou o meu também. "Weather" (clima) é um assunto neutro para se iniciar uma conversa com qualquer pessoa em qualquer lugar. Elogie, reclame, fale do vento que a conversa vai fluir na fila do supermercado, na cozinha do escritório, saída da escola, entrevista de emprego - pode ser usado em várias situações! 

O mais engraçado é que os ingleses reclamam quando está frio e  quando esta calor - ninguém ganha nessa história.  Nos dias raros de verão, como os ambientes não são adaptados para um clima quente vira um caos e as pessoas sofrem. Nas casas e apartamentos as janelas não se abrem por completo ou elas tem somente um vitrô basculante. Algumas tem carpete até no banheiro, imagina o calor!

Outra situação engraçada é quando o "Met Office" (serviço nacional de meteorologia do Reino Unido) noticia que vai chegar um "heat wave" (onda de calor) de 26 graus que vai durar 1 semana. Se der sorte e o calor durar por 2 semanas, é o bônus da década!

Este verão em particular está péssimo, teve 1 dia que os termômetros atingiram os 36 graus. Na Inglaterra, a temperatura média  nos meses de Julho e Agosto (alto verão) é de 21/24 graus.
Olha essa: fui comprar um creme da Clinique numa loja que fica dentro de um shopping. Questionei a vendedora o porque de um creme que tenho em casa estar com uma textura esquisita. Ela me respondeu que no dia que fez 36 graus (todos sabem "O DIA") muitos cremes estragaram no display. Pensei: Jura!?!

Quase todos os anos, no mês de Abril, eles anunciam que vai ser "barbecue summer", e claro que nunca é...
 

Aqui os "days out" são monitorados e planejados diariamente no "Met Office". Quando a previsão é boa, todos saem correndo marcando mil e uma coisas para aproveitar ao máximo o dia, vira quase uma obrigação sair de casa ou visitar o próprio jardim.
Uma pena porque no verão as atividades ao ar livre são inúmeras  - festivais de música, cinema no parque, teatro, rooftop restaurantes e bares, etc. 

Adoro falar que estou acostumada com verão, sol, calor, céu azul, porque sou brasileira e venho de um país tropical, é um momento de orgulho absoluto!

A única parte boa do verão na Inglaterra é que como você não mostra muito o corpo com blusinhas, shortinhos e biquínis, não  precisa estar no "shape do verão". Faz um regiminho véspera de viagem que está tudo certo.

 
Não me importo de estar bronzeada na beira da piscina tomando um drink (não seria nada mal também). Me importo de não conseguir ir ao parque e fazer picnic sem precisar interromper por causa da chuva ou do vento forte, ver meu filho jogar bola até cansar e minha filha se acabar de brincar no parquinho num dia de verão.

Canto todos os dias aquela cantiga popular, mesmo que mentalmente - "Santa Clara clareou, São Domingos iluminou, vai chuva , vem sol, vai chuva, vem sol".
 
 Virou o post das lamentações, tem coisas que não conseguimos mudar, são como são, então vou tentar enxergar com olhos de turista o charme da Londres chuvosa que tanto me encantou.
 
Beijoooooutro.

27 de julho de 2015

Estilo de vida inglês - cartão de felicitação

Vou começar com fatos só pra vocês já entenderem a grandiosidade da coisa:
O relatório de mercado de 2014 da GCA-Greeting Card Association, reforça o quanto a indústria de cartão de felicitação ("greeting card")
 é enorme e bem sucedida. Com £1.29 bilhões de libras gastos em cartões individuais no último ano - mais do que o chá e café juntos. Mais cartões são comprados por pessoa no Reino Unido do que em qualquer outro país no mundo, o equivalente a 31 por pessoa.

Agora deu pra perceber?!


 
Logo nos primeiros dias que chegamos a Inglaterra, passeando pelo centro de Londres, vi uma loja da Hallmark" (maior produtora de "greetings cards" dos Estados Unidos). Me chamou muita a atenção por que minha irmã e eu colecionávamos papel de carta e adesivos dessa marca quando crianças. Os da "Hallmark" eram importados, lindos, e os que mais "valiam" na troca com a vizinhança. Estou falando de 30 anos atrás. Aquele saudosismo e "mini flashback" tomou conta de mim e entrei na loja por pura curiosidade.
Depois dessa loja me deparei com uma "Clintons" depois com a "Card Factory", (duas grandes redes de "greetings cards" e pequenos presentes em UK) e por final, corredores inteiros de supermercados, Poundland, postos de gasolina, websites ... você encontra em todo lugar e sobre todos os assuntos, uma loucura!
Mesmo com todas essas evidências, continuei sem entender o porque de tantas lojas especializadas, coisa tão antiga e tão "sem valor" no Brasil.


Minha vida social era praticamente inexistente e meu filho e eu parecíamos dois ermitões brasileiros, isolados do mundo e de todos (não por opção), então, como poderia eu entender?! 
Quando ele começou a escolinha veio logo o Natal e tudo fez sentido.  A casa ficou lotada de cartões dos amiguinhos, eles tinham até uma caixa individual para guardar os cartões antes de levá-los para casa no final do dia. Então aprendemos a primeira lição: ter sempre um estoque no armário de casa.
Também faz parte da decoração natalina, principalmente pra quem tem lareira.
 
decoração de Natal









ponto de reciclagem no supermercado após o Natal












Se por acaso, você chegou recentemente a Londres e já tem um grupo de mães inglesas, preste atenção nas seguintes situações: a filha mais velha de uma delas esta prestando algum exame, alguém divorciando, foi batizado, crismado, mudou de casa, comprou uma casa, ficou doente, se curou, nasceu, morreu, ressuscitou... não pense duas vezes, dê um cartão! 

estoque do meu armário
Fiz algumas "entrevistas" sobre o assunto e os ingleses vêem isso com ótimos olhos, demonstra que você se importa, que pegou um minuto do seu tempo para dedicar especialmente para aquela pessoa.
No aniversário de 8 anos do meu filho me preocupei com tudo. Comprei os presentes que ele pediu, enfeitei a casa com bandeirinhas e bexigas, mesa do bolo toda decorada com o Ben10 - ficou ótimo! Quando ele voltou da escola, me perguntou: mãe, cadê meu cartão?
Embora eu ainda não me importe tanto com essa tradição, acho bem legal e educado. Em casa sempre compro em ocasiões especiais como dia dos pais, mães e CLARO, aniversários.

No Natal do ano passado, tinha uma mãe no playground da escola tirando da bolsa cartões assinados e entregando para quem passasse pela frente(fui uma das escolhidas). Não tinha nome no envelope e muito menos no cartão, somente a assinatura dela. Pensei: banalizou, esculhambou um gesto tão bonito dos ingleses (ela era inglesa). Depois disso, capitei o espírito da coisa.

Alguém se lembra da última vez que escreveu um cartão para uma pessoa querida ou só tem a lembrança de ter enviado uma mensagem por e-mail, Facebook, Instagram ou WhatsApp?
Alguém se lembra como é a forma/tamanho da sua letra manuscrita ou faz anos que não escreve sequer uma lista de supermercado?

Posso ser das "antigas", da época do creme rinse, do cafona, do "viajou na maionese", mas, acho mais bacana guardar cartões na gaveta e daqui alguns anos relê-los do que salvá-los nos arquivos online.
 
Acho que tradições não esquecidas pelo tempo ou pelo avanço da tecnologia deveriam ser aprendidas com os ingleses.

Beijooootro.

6 de julho de 2015

Filho com duas pátrias


Vou logo começando o post com um "QUIZ". 
Bem tradicional na Inglaterra, o "QUIZ" nada mais é que um jogo de perguntas e respostas sobre temas variados. Os participantes se dividem em duplas ou times e um apresentador faz o papel de juiz. Os pubs sempre fazem "quiz night", clubes, escolas, festas da "firma", vários lugares, eles adoram!
 

Quem nasce no EUA? Americano é.
Quem nasce na Alemanha? Alemão é.
Quem nasce no Brasil? Brasileiro é.
Quem é filho de brasileiros e nasce na Inglaterra???????? Resposta em branco...

Como já disse em outros posts no Blog, meu marido é brasileiro e quando nos mudamos para a Inglaterra meu primeiro filho tinha quase 1 ano. Minha segunda filha nasceu 6 anos depois, já na terra da Rainha.
 
Considero nossa casa bem brasileira, só falamos português ou aquele dialeto "brasingles" (Do you know qual eu to falando?!). Faço feijão na panela de pressão. Temos chá mate e pão de queijo na dispensa. Mamão formosa na fruteira. Hipoglós, Dorflex e spray de própolis no armário do banheiro. Artesanato e CDs de MPB na estante da sala. Muitas Havaianas e Hering no armário do quarto. E tem o principal, a alma brasileira! Ah, tem também muitos gritos, beijos, apertos e piadas. Não é uma típica casa brasileira?!?!

Pelo fato do nosso filho ter nascido do Brasil, tenho algumas expectativas em relação a ele como: Precisa gostar de arroz com feijão,  pão de queijo, calor, futebol e ser Corintiano (me perdoem os São Paulinos, isso é por parte de pai).
Mas, muitas vezes ele me pega distraída com perguntas como:
-Por que preciso tomar banho todos os dias? (verdade, os ingleses não tem o hábito de tomar banho todos os dias)
-Por que tenho que comer arroz e feijão todos os dias? (exagerando um pouco, pois tem outras coisas no cardápio de casa)
-Por que nunca como linguiça e ovos de café da manhã como os ingleses? (porque aqui não é hotel e Inglês não come isso todos os dias)
E a minha melhor resposta é: porque você é BRASILEIRO!

Tive uma conversa/entrevista com ele e o resultado foi que ele tem orgulho de ser brasileiro, fala que isso o torna diferente e atraente, principalmente por falar outra língua. Mas, ele gosta de viver na Inglaterra e suas únicas reclamações são do céu sempre cinza e de estar longe dos primos, tios e avós.

Os filhos crescem tão rápido, o que é assustador!
Os primeiros passos, primeiras palavras, primeiro dia na creche, primeira vez que dormiu longe de mim, que colocou o primeiro uniforme da escola... e na verdade o que mais me emocionou foi a primeira vez que ele usou desodorante. Meu filho cresceu, já tem até odor de baixo do braço!!! A partir desse dia a vida do meu filho foi dividida em "pré- desodorante e pós-desodorante".  
O que quero dizer com isso é que os acontecimentos
mais marcantes na vida dele, a "era desodorante", não aconteceram no Brasil e sim no país que escolhemos morar. Ele cresceu na Inglaterra, não tem memória nenhuma da curta vida que teve no Brasil. Por mais que me esforce em manter as raízes brasileiras em casa e "sofra" cada vez que ele me pede feijão doce da Heinz, tenho que aceitar - essa é a realidade que ele conhece, gosta e é feliz!



 
Quando nossos filhos forem maiores de idade, vão poder decidir se o lugar deles é no Brasil ou na Inglaterra. Se eles se sentem brasileiros ou ingleses . Mas até lá, vamos vivendo e aproveitando ao máximo o que a Inglaterra têm de bom a nos oferecer, além do céu cinzento e milhas distantes da terra brasilis.

Beijooooooutro.

22 de junho de 2015

Idosos na Inglaterra - um novo olhar...

Semana passada, totalmente entediada da rotina diária de dona de casa e mãe, resolvi fazer uma coisa diferente no meu único "tempo livre" e posso dizer que mudou minha forma de olhar os idosos, não somente na Inglaterra.

Tenho uma grande amiga que trabalha como "carer" (cuidadora). Ela toma conta de idosos que decidiram continuar vivendo nas suas próprias casas ou que vivem em "residential homes".
Já tínhamos conversado sobre eu fazer um "estágio" pra ver se gosto e se daria conta do trabalho para eventualmente ajudá-la. Então, marcamos e nos encontramos na casa da primeira cliente. Faríamos mais 4 visitas naquela noite.

   

Na Inglaterra as crianças são educadas desde cedo a serem independentes. Os jovens vão morar sozinhos quando completam 18 anos. Então, o que esperar dos Idosos?! 
A decisão de onde ele irá morar vai de acordo com às necessidades físicas/psicológicas e situação financeira da pessoa/família. Vou dar uma visão geral dos tipos de acomodações existentes:
Residential homes ou care homes: inclui acomodação, refeições, staff para ajudar com as necessidades pessoais como se vestir e higiene pessoal.
Nursing homes: inclui acomodação e enfermeiras qualificadas no local 24horas por dia.

O idoso precisa ser elegível para que o NHS (Sistema National de Saúde) pague todos os custos de uma care ou nursing home, caso contrário os custos podem variar entre £28 mil a £40 mil (média de R$150 mil) por ano, dependendo da região.

A Organização não Governamental Age UK ajuda os idosos a aceitarem o processo de envelhecimento dando todo apoio e assistência necessária.
A última pesquisa liberada pela ONG em maio/2015 mostra que no Reino Unido:
- pela primeira vez na história, existem 11 milhões de pessoas na idade de 65 anos ou mais. 
- 2 milhões de pessoas com mais de 75 anos vivem sozinhas, 1.5 milhões são mulheres.
- depressão afeta 40% dos idosos nas "care homes".
- A cada hora, mais de 50 idosos são negligenciados ou sofrem algum tipo de abuso nas suas próprias casas por membros da família, amigos, visinhos ou "care workers".

“Não existe cura para o envelhecimento. Porque envelhecer não é uma doença, mas um modo de vida. E alguns são melhores nisso do que outros. O segredo? Pense em você mais jovem do que você realmente é…”
Verso do poeta inglês Roger McGough. 
 
 
A primeira cliente era uma senhora fofíssima, viajada e cheia de histórias pra contar. Não quis sair da sua casa por nada, então adaptou todo andar térreo para sua "sobrevivência".

Segundo cliente casou-se pela segunda vez tarde na vida e com uma mulher vinte anos mais nova. Tinham uma vida muito boa e cheia de luxos, até que depois de um AVC ele ficou com a saúde bem debilitada. A esposa não tem a menor paciência e amor para cuidar dele.

Terceiro cliente tem 95 anos e quase não enxerga mais. Super vaidoso, faz questão de estar sempre com as roupas limpas e de escovar bem os dentes. O único que vive numa "residential home" custeada pelo governo.

Quarto cliente era uma senhora de uns 70 anos cujo único problema era não conseguir abaixar-se para calçar um sapato e trocar de roupa. Adora cozinhar. Ficou muito ofendida com a faxineira, que falou que ela possuía muitos "cacarecos", cada um com um valor sentimental inestimável.

Perguntei para todos eles se poderia vê-los enquanto minha amiga os ajudava com a higiene pessoal e uma das respostas me surpreendeu - "há anos perdi minha dignidade".

Colocamos todos para dormir, como se fossem crianças, cada um com sua mania: cortina meio aberta, leite morno antes de deitar, televisão ligada, etc. Todos estavam TÃO agradecidos pela nossa "visita" que chegavam a esquecer que minha amiga é paga pra isso - muito bem paga por sinal.

Quando voltei pra casa, já tarde, fiquei pensando... O mesmo sentimento que EU tenho como estrangeira é o que eles também devem ter. Ninguém sabe de onde eu realmente venho, minha família, a educação que tive. Eles dependem muitas vezes de estranhos pra sobreviverem, cuidadores que não tem a menor idéia de quem foram eles, da sabedoria, da participação que tiveram na sociedade, do que viveram até  aquele ponto.
 
No meu último trabalho, tinha um gerente de Marketing cômico e cheio de frases engraçadas. Ele dizia que "FDP também envelhece!".

Quando colocamos a primeira cliente na cama e ví a sua dificuldade de locomoção, perguntei pra minha amiga: "E agora, ela vai dormir sozinha? E se ela precisar de alguma coisa, sentir medo ou cair da cama?" - Quase liguei pro meu marido pra dizer que não iria dormir em casa.

Ela virou "escrava" desse trabalho e os clientes viraram "escravos" dela. Agora consigo entender a dimensão de quando ela diz "não posso deixá-los na mão, eles precisam de mim!".
 
Nesse trabalho você não pode deixar a caneta cair às seis da tarde de uma sexta-feira e voltar na segunda de manhã , o seu "material de trabalho" respira, se alimenta, tem necessidades fisiológicas e precisa de amor, muito amor.
 
Quanta lição de vida em uma só noite, uma noite que poderia ter sido como todas as outras...

Beijooooooutro.

17 de maio de 2015

Parto normal ou cesariana? Brasil ou Inglaterra? Particular ou público? Pode escolher...


Vou começar com uma expressão inglesa muito usada para definir mulheres que não querem ter filho de parto normal. Escutei muito das inglesas na minha segunda gravidez.
"too posh to push" - "muito chic para empurrar"



"LINDA" DEPOIS TE TER A CAROLINA
Vou somente contar minhas experiências, não estou defendendo nenhum tipo de parto, ok?!

Primeiro filho - menino, cesariana, Brasil em hospital particular.
Segundo filho - menina, parto normal, Inglaterra em hospital blico.

 
BRASIL:
Antes que alguém possa me atirar pedras, tenho plena consciência de que era privilegiada por ter plano de saúde. Médico, maternidade, exames em laboratório particular.
Minha mãe e irmã tiveram 3 filhos cada e todos eles nasceram de parto normal. Então assim o meu filho nasceria - de parto normal, sem a menor dúvida.
Meu médico obstetra foi uma indicação e durante toda gestação sempre deixei bem claro o meu desejo de ter parto normal.
CLARO que o me filho nasceu na véspera de um feriado, CLARO que meu médico estava em Campos
do Jordão e CLARO que ele não voltou para fazer o meu parto.
Tudo o que planejei foi por água abaixo. Aquela relação de confiança construída ao longo dos 9 meses não valeu nada.
O meu filho nasceu pelas mãos da plantonista e de cesariana. 
médica era tão nova que deixou meu marido e eu apavorados. Ela me deu uma desculpa usando termos técnicos que, resumindo, precisaria ser operada.
Enfim, deu tudo certo, Henrique nasceu saudável e minha recuperação foi absurdamente rápida. A recém formada era boa!

Inglaterra: (lavagem cerebral da primeira gravidez).


Nenhum plano de saúde privado cobre gravidez na Inglaterra. Quer fazer particular? Sem problemas, mas custará uma pequena fortuna.
Se a Duquesa de Cambridge teve os dois filhos no Hospital do NHS, por que você não teria?
Vou contar como funciona o pré-natal de uma gravidez considerada NORMAL:


Primeiro passo: compre um exame de farmácia para descobrir se esta grávida.
Segundo passo: avise o seu GP (Clinico Geral).

Primeira consulta: você terá sua primeira consulta com a midiwife (parteira) ou médico somente quando completar as primeiras 12 semanas. No NHS (Sistema Nacional de Saúde) você não escolhe o médico, será atendido por quem estiver no turno.

Midwives: são as parteiras que te examinam, aconselham e tomam as decisões durante toda a gestação. Se for preciso, você será encaminhada ao obstetra.

Ultra-som : você faz 2 ultra-sons durante a gravidez, mas se necessário eles poderão marcar outros.

Aulas pré-natal: o NHS oferece as mães de primeira viagem aulas para explicar os tipos de parto, as drogas usadas para aliviar as dores das contrações, anestesias, posições para facilitar o parto, etc.
No final da gestação você terá uma consulta com a midwife para discutir os planos do parto.

Maternidade: é uma ala do hospital público. Se você precisar de uma intervenção, te levam para o centro cirúrgico e chamam o médico obstetra, caso contrário, o parto é feito no quarto pela midwives. Quando o bebê nasce, te passam para a enfermaria com outras mães. Se quiser um quarto privativo e o hospital tiver disponibilidade naquele dia, você pagará uma diária.


ENFERMARIA DO NHS
O que mais me apavorava, eram as histórias que escutava durante a gravidez. Erros cometidos pelas parteiras que deixaram sequelas seríssimas nos bebês. Inglesas que ficaram com tanto trauma do parto que não queriam mais ter o segundo filho. Coisas horrorosas mesmo!

Uma amiga me falou que a frase que mais tem efeito aqui na Inglaterra quando você precisa de algum "favor" do serviço público, é dizer que é uma cidadã com "distress" (stress, extrema ansiedade).
E foi assim que passei a gravidez inteira, falando para cada midwife e médico que me atendiam que eu estava com "distress" e que precisava marcar uma cesariana.
Tentei de tudo! Usei frases de efeito, chorei na frente dos médicos e no final não convenci ninguém. Acho que preciso de aulas de dramaturgia. 
Não restavam mais consultas com o médico, então me conformei. Pesquisei e aprendi outra palavra importante: anestesia peridural, a chave para aliviar as dores da contração.

Mudei minha fala, ficou assim: "Sou uma grávida com stress e preciso de uma peridural"- Frase linda!!!

 


MORRENDO DE DOR ABRACANDO O TRAVESSEIRO
O grande dia:
Cheguei no hospital berrando de dor e pedindo a peridural. Depois de me explicarem as vantagens E desvantagens dessa anestesia, me aplicaram. Aí foi mamão com açúcar!
Aconteceu o que não esperávamos, fui para o centro cirúrgico e a minha filha precisaria de fórceps (instrumento usado para retirar o bebê em parto normal) ou uma eventual cesariana. Ela estava alta, na posição errada (costas-contra-costas) e ficando cansada.
Meu marido e eu ficamos surpresos com a qualidade do atendimento no hospital e principalmente com o profissionalismo, conhecimento e carinho da parteira que ficou comigo o tempo todo.
 
 

Já no centro cirúrgico, na última tentativa do fórceps pelo obstetra, ela segurou minha mão e com a outra na minha barriga monitorou a última contração para eu poder dar o empurrão final, aos olhos de uma equipe de 12 pessoas entre estagiários, anestesista e obstetra, todos esperando o seu sinal. Não me esqueço o silêncio que tomou conta da sala naqueles minutos. Nessa hora eu só falei pra ela: "por favor, não quero cesariana!" E ela respondeu: "quando eu te falar empurre (push), use toda sua força" .
Já não era mais chic (posh), eu queria empurrar (push).

A Duquesa de Cambridge saiu linda, maquiada, feliz com sua princesa Charlotte nos braços. Eu saí acabada, descabelada e tão feliz quanto ela, com a minha linda plebéia Carolina.

Lembra daquele médico de confiança no Brasil? Nem lembro mais o nome.
Sabe a midwife que nunca tinha visto antes na vida? Chama-se Keilla e nunca mais vou esquecê-la.


Beijooooutro.